meu pedaço

Subi as escadas a correr, depois de ter engolido a comida que tinhas feito com tanto carinho, corri naquele corredor enorme que estava vazio e escuro, a única coisa que o iluminava era a clara-bóia, eu conseguia ouvir a chuva a bater-lhe no vidro. Entrei sorrateiramente, estavas sentada no sofá grande da nossa sala, com uma manta sobre as pernas, como tu amas, e com o olhar fixo na televisão, sentei-me a teu lado, dei-te a mão, e aquele beijo que todos os dias ganhas, estava cansada e deixei descair o meu corpo cansado sobre o teu. Passados alguns segundo ouvi a tua doce voz a entrar pelo meu ouvido "então querida o jantar estava bom?", sorri-te, eu sabia que ias perguntar, são tantos anos contigo que não precisas sequer de falar para te compreender. Respondi-te com um enorme sorriso, "Óptimo, Tia, óptimo.".
Algo me estava a assustar no momento, não percebi o que era.
Larguei-te a mão com cuidado e disse "Vou um pouco para o teu quarto, os teus comprimidos estão ao lado da garrafa de água, em cima da sapateira que está em frente ao nosso quarto, não te esqueças por favor.", levantei-me do sofá e lentamente desloquei-me até a porta, abri-a e sai até ao quarto !
Sentei-me nas almofadas que costumas deixar no chão, desculpa eu sei que não gostas nada, mas aquele cantinho entre o guarda-fatos e a cómada estava tão acolhedor.
Tive assim, horas a olhar para uma foto que está na tua mesinha de cabeceira, eu pequenina, com aquele cabelo, que quase pareciam pedaços de oiro, como tu dizes, de pé ao teu colo, temos um ar tão feliz, e tu um ar tão mais novo. Encostei a cabeça e começaram a rolar-me lágrimas, cada dia que passa eu vejo mais o teu ser a envelhecer, é frustrante não poder mudar a lei da vida, é frustrante o facto de ver que os anos passam e tu envelheces com eles, é frustrante o facto de saber que não te posso ter comigo por todos os anos que quero, é frustrante pensar que um dia vais partir, e é frustrante o facto de saber, que nesse momento perco o maior pedaço que tu deixas-te em mim, por todos estes anos. Continuavam a cair-me as lágrimas pelo rosto, senti a porta do quarto a abrir, eras tu. Levantei-me a correr e abracei-te, confessei que tinha medo de te perder, fiz-te tanta pergunta,e tu, não me respondes-te a nenhuma das minha perguntas. Sem respostas, deitámo-nos ao lado uma da outra, e depois de me teres dado uma beijo, adormeces-te, eu continuei acordada, coloquei a minha mão sobre as tuas costas, sentia o teu coração a bater e com o ouvido que não estava coberto de mantas, ouvia a tua respiração, fiquei descansada, estavas a dormir profundamente !
Virei-me para o lado da porta, a olhar a luzinha de presença que iluminava uma outra foto nossa, e adormeci.

.nini.